“Cega e crente” dificilmente voltaria a amar desta forma. Sabia que isso não voltaria a conseguir fazer, deixar-se ir na espiral de emoções e desejos, na sucção de expectativas e ilusões. Não que ponderasse colocar entraves mas porque simplesmente já tinha perdido toda a ingenuidade necessária para tal. De qualquer forma, não era isso que a preocupava.
De todos os medos possíveis e naturais - vicissitudes do que já passara – entre todos os medos que poderia sentir de não voltar a amar, de não conseguir entregar-se novamente, de não querer investir sem certezas – e essas nunca as temos – tinha sobretudo um medo (um medo que pairava sobre si como um abutre paira sobre um semi-vivo): Medo de não amar tanto como já tinha amado e sub consequentemente, de ser feliz... mais do que tinha sido até aquela noite de Julho.
- Tenho medo de não voltar a amar como a amei.
Esse é o meu verdadeiro medo.
- Porquê medo?
- Porque nunca amei alguém assim, porque foi de facto o
máximo que alguma vez senti e nem se quer pensei que
fosse humanamente possível amar assim.
- È natural teres medo, mas por um lado ainda bem.
- Ainda bem? Tenho medo de ficar para sempre
enamorada dela, de não voltar a sentir a felicidade
que com ela senti, medo de não sentir que
possivelmente o infinito até possa existir e achas bem?
- Não vais gostar de ouvir isto que te vou dizer...
- humm... mas diz... provavelmente preciso de o ouvir
- Não achas que a amas-te de forma errada?
Perdes-te de ti nesse amor e queres voltar a amar assim?
A pergunta levou-a numa viagem de pensamentos e recordações, todas as possíveis num milésimo de segundo. Reminiscências dos encontros furtivos, dos momentos com nomes de filmes, do desejo sempre insatisfeito, as conversas de amor genuíno por fim encontrado e de quando se perdia no olhar da amada.
- Não dizes nada?
Acabei de te dizer que a amas-te de forma errada.
A pergunta desviou-a das suas recordações e questões pessoais. Somente para voltar a elas com mais força e em temor recordar a conversa com a sua amada, aquela que tinha dado início ao fim da sua dedicação, a mesma que a fez perceber que todo aquele investimento, todo aquele sentir, não tinha passado de um erro crasso. O maior de todos. Mesmo assim, haveria uma forma errada de amar? Como é que isso nunca lhe tinha ocorrido, haveria mesmo uma forma errada de amar?